terça-feira, 4 de outubro de 2011

COMO SAPATOS

         Eu costumo ficar deprimido ante a imagem de um sapato surrado atirado no meio da rua em que eu passo. É que fico tentando imaginar por quantas etapas já passou aquele objeto, antes de ser desprezado daquele jeito.
Primeiro me vem à cabeça a imagem dele na vitrine, junto com seu par. Objeto de desejo para quem passa.
Num dado momento, consegue seduzir alguém e é comprado. Mal chega à sua nova morada e lá vem todo mundo, de olhos esbugalhados, curiosos, para vê-lo. Abre-se a caixa, é apalpado, cheirado e elogiado.
Nos primeiros dias, evita-se que ele caia em lama, em vala de esgoto ou pise em esterco de gado. Semanas depois, inicia-se outra etapa, pois já apresenta deformações semelhantes àquelas encontradas no pé de seu dono. Como graxa já não vê, perde o brilho e passa a ser chamado de feio e de usado. Quando as deformações se acentuam, ele passa a ficar no canto, sem sofrer o olhar prazeroso de alguém. Dali ao meio da rua é só um passo.
Parece que isto, porém, não ocorre apenas com sapatos, mas acontece com gente também. E, infelizmente, acontece em maior proporção. Basta olhar as ruas das grandes cidades para vê-las povoadas por mendigos, por indigentes e por gente que mora na rua.
Mora é maneira de dizer. Talvez o correto fosse dizer “vegetam”, pois não têm identidade e, por vezes, nem nome, sendo conhecidas apenas por um apelido. Sem registro algum, morrem como se nunca houvessem existido. São sapatos usados, surrados, furados e atirados na rua.
É por isto que aquela visão do sapato tem me deprimido tanto.

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