terça-feira, 9 de agosto de 2011

CARA OU COROA, A ETERNA EFÊMERA LUTA DA VIDA

Tenho observado a crescente expansão da indústria de cosméticos e visto, na televisão, propagandas assegurando verdadeiros milagres aos usuários, em nome da ciência: “cientificamente comprovado”, “feito em laboratórios dos Estados Unidos”.
            Primeiramente, o “cientificamente comprovado” não existe em ciência como algo eternamente verdadeiro, mas, dadas as condições, como algo aceito provisoriamente, enquanto não se dispõe de algo melhor; em segundo lugar, nos Estados Unidos, fora das grandes universidades, há tantos laboratórios particulares de fundo de quintal quanto fábricas de redes no Nordeste brasileiro.
            Reservarei, contudo, um outro espaço para tratar disto em outro momento. Agora, o que tem chamado minha atenção é a crescente corrida feminina, embora os homens também estejam aderindo, ao uso de cosméticos.
            Vou ao espelho todo dia e ele, ao contrário do espelho da bruxa de Branca de Neve, mente descaradamente, escondendo meus traços de velhice. É que ele sabe que eu fico satisfeito quando ele me engana. Sabe também o que ocorreu com o espelho da fábula e não quer sofrer o mesmo destino: ser arrebentado pelo furor da bruxa que não mais admite haver alguém mais bela do que ela.
            Cada um trás dentro de si sua própria bruxa. Talvez seja por isto que tanto os homens quanto as mulheres quando vêem alguém mais belo que eles tratam logo de encontrar nele um defeito e emitir preconceitos.
            Mas, se o espelho é mentiroso, o olhar do outro não o é. Quando uma criança na rua me aponta o dedo e diz “mãe, olhe aquele homem!” é porque já deixei de ser jovem, quando me diziam “aquele menino” ou “aquele rapaz”. Quando o(a) vendedor(a) me chama de “senhor”, devo daí inferir que já não é por pura educação ou formalidade que ele(a) assim se expressa, mas pela visão que tem de meu corpo que o espelho mentiroso vem escondendo.
            A presença da velhice assusta porque costuma carregar consigo a sombra da morte. É por isto que a imagem da morte costuma ser uma criatura destituída de beleza. É como se Deus tivesse criado a morte para fazer desaparecer tudo o que fosse desprovido de beleza.
            Filósofos e poetas concordam que a beleza é fundamental. Para os filósofos, ela deve ser contemplada; para os poetas, retratada. Platão dizia que os filósofos, ao contemplarem a beleza, não ousam copiá-la, talvez com receio de subtraírem instantes preciosos do contemplar; mas os poetas, malgrado o que dizia Platão, talvez com receio de verem a beleza definhar, encontraram um meio de paralisá-la: pintando-a ou cantando-a em verso ou em prosa. Na sociedade industrial, a máquina fotográfica passou a exercer este papel.
            Mas a máquina fotográfica paralisa a imagem no tempo para ser contemplada, tal como pretendiam os filósofos, no amanhã. Ela nada pode fazer, porém, para evitar o morrer gradativo do objeto fotografado. O corpo humano definha e a gravidade faz sucos onde ontem era liso; o tempo faz branquear o que não era branco.
            Os cosméticos surgem, então, com a promessa de fazer parar o envelhecimento, paralisando a beleza não mais sob o congelamento de fotografia, de pintura, desenho ou de película, mas no próprio corpo. É a imagem dos ocasos dos dias de outono que avermelham o céu. Malgrado os dias estejam sendo aos poucos arrastados, insistem em permanecer, emanando lentamente suas lágrimas avermelhadas em forma de luz, a qual tanta tristeza nos trás, apesar da beleza que comporta e nos atrai e que vagarosa e fugazmente escapa entre nossos dedos, apesar do efêmero esforço para retê-la.

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